Gotas de sabedoria do auto-proclamado enfant terrible da intelligentzia nacional

sexta-feira, junho 24, 2005

O mal amado ditador vitalício da geladeira

No primeiro semestre de 2002 , ainda me considerava jovem , ainda frequentava a universidade , ainda não tinha o sangue totalmente azedo, ainda perdia tempo para torcer para o Flamengo e ainda trazia para a casa todas as amostras grátis de produtos que me eram oferecidos.

Em algum momento desse longínquo semestre, peguei uma lata de uma bebida que estava sendo distribuida no pilotis da faculdade. Era o lançamento do Nestea no Brasil , chá preto combinado com frutas. Aceitei um de maracujá , pus na mochila , trouxe para a casa e coloquei na geladeira. Três anos depois , a lata continua lá, lacrada , esquecida , pura como uma virgem de um convento. O prazo de validade para o consumo venceu em outubro de 2002 , ninguém mais terá coragem de beber esse líquido nocivo. Ninguém nunca teve vontade.

Em homenagem à persistência do ancião Nestea em permanecer incólume na geladeira por todos esses anos , publico uma foto dele em seu cantinho habitual , na varanda da porta, ladeado pelos atuais e transitórios vizinhos : uma garrafa de soro fisiológico (não me perguntem a razão disso estar na geladeira) e um pote de azeitonas. Desconfio que daqui a alguns anos , quando pôr a mão na lata de novo, não lerei as palavras Nestea Maracujá grafadas no alumínio, e testemunharei o surgimento de um novo sabor: Nestea Matusalém.



quinta-feira, junho 23, 2005

Déjà Vu

Nossa seleção de futebol enfrentará a da Alemanha ,no sábado , pela semi-final da Copa das Confederações. Se o Galvão Bueno conseguir passar o jogo inteiro sem falar aquela máxima que diz que "a Alemanha joga um esporte muito parecido com futebol, mas que funciona", eu me atiro pela janela. Ele roubou a frase do Jô Soares , que é outro que nunca perde a oportunidade de repeti-la. Os dois deveriam ir para o A Praça é Nossa, onde poderiam passar a eternidade contando a mesma piada.

quarta-feira, junho 22, 2005

mais praia

Duas ceninhas chocríveis que eu vi ao correr na praia domingo a noite :

- Moçoila de vinte e poucos anos cruza os braços e espera impassível o namoradinho terminar de urinar em um coqueiro, daqueles que fica quase na divisa entre areia e calçada. A impressão que tive foi a de que ela se comportaria da mesma maneira se estivesse dando um passeio noturno com o cãozinho de estimação. Não havia nenhuma censura nos olhos dela , o fato de o companheiro emporcalhar uma área pública parecia ser algo normalíssimo. Pensei em presenteá-la com uma coleira e uma fantasia de palhaço , para vestir o parceiro. A moça bem que poderia se inspirar e montar um espetáculo dominical diurno para o calçadão , vestindo o sujismundo de palhaço e treinando ele para passar em ziguezague por uma linha de garrafas enfileirada no asfalto. Perigava até de o poodle do texto anterior perder o emprego frente ao surgimento dessa nova e bizarra atração.

- Na altura do Posto 9 (onde mais poderia ser ?) , era realizada uma mini-rave na areia. Pude ouvir as batidas de um trance psicodélico , distingui um punhado de malabaristas no meio daquela pequena muvuca, percebi que a festinha só era frequentada por gente que parecia ter saído do esgoto. Se a L'Oreal resolvesse patrocinar o agito e montasse um estande para a venda de cosméticos , estaria alguns passos mais próxima da bancarrota. Aquela massa de esfarrapados prefereria transformar todos os grãos de areia em flocos de caspa do que gastar uns trocados para comprar shampoos e sabonetes. Em compensação , um espertalhão oportunista poderia alcançar grande êxito se pintasse por lá com comprimidos de Novalgina e vendesse eles como pílulas de ecstasy . Os fanfarrões só perceberiam o golpe horas mais tarde , porque "brow ... a onda da bala só rola muuuuito tempo depois que se toma ".

terça-feira, junho 21, 2005

Até pouco tempo , eu costumava avistar estátuas humanas no calçadão da praia de Ipanema , aos domingos. Alguma pessoa sensata deve ter trancafiado todos eles em um hospício , porque já não os vejo há algumas semanas. Nunca achei graça em alguém que se pinta de cinza , fica imóvel por algumas horas e acha que pode ganhar o pão de cada dia honestamente através dessa ... ãhn ... ARTE . Não os classifico como artistas de rua do mesmo naipe de reis de embaixadinha , treinadores de poodle fantasiados que sabem andar em ziguezague e mágicos que fazem truques com cartas. Esses todos oferecem algum tipo de distração aos transeuntes (ô palavrinha cretina , só se usa em texto , ninguém fala essa bosta de "transeunte" ). O estátua humana, pelo contrário , só presta para ficar parado com cara de bunda.

O que mais me fascina neles é a falta de inteligência em seguir essa carreira , que envolve uma rotina repleta de pontos negativos , vamos a alguns:
1- O profissional ( ! ) precisa gastar algumas horas para pintar o corpo todo com aquele veneno, o que deve acontecer em casa.
2 - Uma vez saindo de casa , o panaca precisa passar pelo constrangimento de pegar uma condução para chegar ao local de trabalho desejado. Parto do príncipio de que todo estátua humana é pobre, mora longe e não tem dinheiro para comprar um carro. Imaginem só as gozações - todas elas justas , diga-se de passagem - que o estátua ouve em um ônibus cheio de jovens marginais a caminho da praia.
3- O estátua chega ao "escritório" . E agora , será que é a hora de acontecimentos maneiríssimos e de uma vida animada e cheia de alternativas ? NÃO !!! O estátua se conforma em torrar por horas a fio sob as marteladas flamejantes de um sol inclemente. Sofre o dia inteiro com o habitual calor senegalês desse maldito inferno tropical . Para agravar a situação , o tóxico cinzento que reveste o corpo do artista deve causar uma série de desconfortos , doenças e alergias.

Todo esse sacríficio resulta no seguinte:
Completa indiferença por parte de uns 98% do público-alvo; impossibilidade de ser levado a sério ao realizar tarefas corriqueiras, como entrar em lojas , arrumar mesa em um restaurante para almoçar ou ter uma conversinha com o gerente do banco; durante a jornada de trabalho, não haverá nenhum diálogo interessante, nenhuma secretária boazuda, nenhuma chance de ascensão profissional e pouquíssima probabilidade de se estabelecer uma rede de contatos (afinal , as melhores estátuas não falam) de trabalho. Para finalizar , cheguei à conclusão que até o pagamento que eles recebem é uma porcaria , porque além de não somar um valor atraente, é quase todo feito em moedas: pesadas , barulhentas e uma dor de cabeça quando chega a hora de contá-las.

A perspectiva para eles não poderia ser pior , a extinção é um perigo iminente. O momento agora pede uma ação simpática dos mico-leões dourados , que eles recebam de braços abertos os novos membros coloridos da lista de animais ameaçados : os seres humanos cinzentos !

Vi um cartaz na rua que anuncia um evento chamado Arraiá do Rio , a ser realizado no próximo final de semana, na Marina da Glória . As atrações principais de sexta são Jorge Ben Jor e Moraes Moreira . Sábado , a animação fica por conta de Alceu Valença e Eletrosamba. As escolhas são curiosas.

Não sei como as pessoas ainda tem a cara de pau de usar o Jorge Ben Jor como chamariz desses eventos do tipo festa + shows. Entra ano , sai ano , o Zé Pretinho segue repetindo aqueles sucessos manjados , sem mudar muita coisa. Não haveria problema se ele fizesse umas apresentações esporádicas , mas tenho certeza que ele voltará com tudo no próximo verão , encabeçando dezenas de eventos parecidos, em parceria com Monobloco , bateria de alguma escola de samba qualquer e outros representantes menos cotados da pobre "cena" musical carioca. Até os fãs mais fervorosos do Jorge devem ter estranhado esse negócio dele cantar em um arraiá , uma festa que não combina com a obra musical dele. Os organizadores devem ter coçado um pouco a cabeça para resolver esse problema de identificação entre a estrela e o tema do evento , mas imagino que a solução encontrada seja algo como " vamos dar uma camisa xadrez e um chapéu de palha para o negão , que fica tudo beleza ! ".

Se o Jorge Ben goza de prestígio o suficiente para atrair multidões para essas festas , não podemos dizer o mesmo de um de seus primos pobres , o Eletrosamba. Presença onipresente na noite carioca , esse grupo ( ? ) é , para mim , um enigma. Eles sempre aparecem como tapa-buraco de festas , boites e shows de médio e grande porte voltados para a juventude carioca. Apesar disso , não lembro de ninguém que se diz fã da banda , nunca vi clipe deles na TV , música nas rádios , disco nas lojas, nem saberia reconhecer os músicos . Para dizer a verdade , eu nem sei o que diabos o Eletrosamba faz. Já estive em eventos em que eles tocaram , mas não tenho memórias da apresentação deles. Ou o grupo estava escondido em algum palco paralelo , afastado do principal , ou se prestava a realizar a inglória tarefa de fechar a festa (leia-se: expulsar os últimos bêbados que não se tocavam que era hora de ir embora). Parabenizo-os pela persistência , mesmo sem saber se são bons ou ruins - acho que morrerei de velhice antes de ter a oportunidade de sanar essa dúvida - .

Para completar o line-up do Arraiá do Rio , os organizadores escalaram dois nomes mais familiarizados com festas juninas: Moraes Valença e Alceu Moreira , ou vice-versa , tanto faz. A cada cem pessoas , apenas umas cinco devem saber qual é a diferença entre esses dois. Para o grande público , não há muita variação entre veteranos cantores nordestinos cabeludos. Se o evento durasse três dias , dariam um jeito de botar o Lenine no terceiro. Aposto minha alma nisso.

Ps: Como se sabe , esse tipo de festa sempre abriga umas barraquinhas de comidas típicas, que irão propiciar incontáveis repetições da seguinte cena:
1 - Gatinha faminta compra um salsichão para aplacar a fome.
2 - Depois de dar alguns passos abocanhando o fálico e robusto alimento , é abordada por um marombeiro tatuado, que balbucia gracejos deselegantes, com referências ao gosto alimentar da mocinha.
3 - A boneca , ferida pela barbárie masculina, procura um cantinho e , contendo as lágrimas, devora o que resta do salsichão.